Opinião | Ano Novo: A escola da vida reinicia cursos

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Não gosto muito de comemorar anos novos, aniversários, datas especiais e todos esses tipos de eventos cíclicos. Eu faço isso, mas não gosto tanto quanto deveria. Admito que é uma espécie de falha no meu mecanismo social, agravada pelo terror da rotina, pela comercialização das festas e pela minha rejeição de sempre lembrarmos uns aos outros que a roda do tempo é inexorável.

Mas sim, acima de tudo aceito que é um problema pessoal. Talvez minha cabeça seja muito repetitiva e não admita mais uma repetição; Talvez eu seja avarento e me dói gastar em festas e presentes; o tal vez se me olvida que cumplir años no tiene que ver con lamentar el tiempo que nos queda sino con celebrar el que ya hemos vivido (recuerdo a aquel amigo que en su cumpleaños 50 nos recibió exclamando: “¡No sé ustedes, pero yo já cheguei!”).

Acontece que ─deixando-me levar por tamanha dose de misantropia─ concebi este texto inicialmente como uma reflexão contra todas as comemorações anuais, com o entendimento de que por mais que façamos para renovar o tempo, nosso caminho sempre avançará . Porém, como era óbvio, quando ia escrever sobre o assunto, a natureza veio sobre mim, impondo-me a evidência de que nesta vida as repetições são onipresentes, a começar pelas mais visíveis: a do dia e da noite.

Alguns de meus leitores já sabem que gosto de citar aqui minhas conversas com o Dr. Emilio Rivaud, um ilustre psicanalista mexicano, que uma vez me disse que o maior medo que o ser humano experimenta é que um dia o sol não nasça. Ele terá descoberto isso em múltiplas sessões terapêuticas, enquanto eu só o vi em pesadelos astronômicos onde a estrela rei ou a lua rainha param seu comportamento habitual e começam a fazer coisas estranhas, como estar prestes a colidir com a Terra ou se afastar. dela para sempre. Esses são, na verdade, alguns dos meus sonhos mais angustiantes. Mas a verdade é que fora deles acordo sempre com o sol já presente, sem pensar que com isso superei o terror insondável de uma noite eterna.

É claro que, em nossas vidas, os ciclos são importantes. Celebrar o Ano Novo tem um significado profundo, ainda que me canse de repetir rituais que não encontro sentido (por exemplo, engasgar-me com uvas) e ainda que abraçar os meus entes queridos não me pareça mais caloroso nestas datas. do que qualquer outro dia do ano. Sem dúvida, celebrar o Ano Novo e outros ciclos tem a sua importância, e escrevo este texto para, pelo menos, tentar prová-lo a mim mesmo.

Eu, que quando criança sofria com o tédio dos domingos, costumava dizer que 1º de janeiro era “o domingo dos domingos”. Agora penso, em linha reta, que a embriaguez da última noite do ano (para muitos, obrigatória) é uma tentativa de aliviar preventivamente a dor quase metafísica do dia seguinte. O cru (ressaca ou como quer que a chamemos) serve um pouco para anestesiar o buraco profundo de solidão e ausência que permanece depois das férias (“Não há dor mais atroz do que ser feliz”, dizia uma canção terrível, e é óbvio que para alguns essa dor aguda a dor está presente no final de cada celebração e até de cada encontro humano). Certamente, com o famoso “reaquecimento” ─em que nos encontramos novamente para comer as sobras da noite anterior─, tentamos esquecer a sensação de que tudo o que valorizamos nesta vida está destinado a ir embora, ou, como disse o poeta Georges Schehadé, que “não há nada que amamos que não fuja como a sombra”.

Podemos pensar que o frio do inverno contribui para esta tristeza, mas tenho a certeza que em qualquer época do ano em que as férias estivessem marcadas, a dor seria a mesma: na primavera, pela inveja que as flores teriam desperta em nós (“maldita primavera”, dizia uma canção corajosa na rádio); no verão, devido ao calor intenso; no outono… Bom, pensando bem, o outono seria uma época melhor para comemorar, e embora as festas de outono não fossem tão divertidas, a ressaca da depressão seria menor e sem dúvida serviria de prelúdio para o abrigo de inverno.

Eureka: talvez seja exatamente isso que o fato de as férias serem em dezembro responder! Podemos pensar que em outros tempos (talvez medievais ou pelo menos pré-industriais), Natal e Ano Novo Deram lugar a uma espécie de hibernação social que se estendeu até março, mês em que começaram as jornadas agrícolas. Ambas as partes teriam sido as últimas – as mais barulhentas e alegres – antes de se refugiarem no inverno. Porém, com o nascimento da sociedade hiperprodutiva, a dura realidade teria começado a aparecer em meio ao frio, e poucos dias depois das comemorações seria necessário sair de casa para ir ganhar o pão com o suor. .de sua testa.

São coisas que invento, acreditando que podem me ajudar a justificar a celebração do Ano Novo aqui. Mas acho que estou errado. E se estes são precisamente partidos depressivos, como podemos justificá-los? Como eu posso fazer isso?

Dois filmes que vi recentemente me vêm à mente. São filmes antigos, muitos leitores já os terão visto: um é feitiço do tempo, também conhecido como dia da Marmota, com Andie MacDowell e Bill Murray; o outro é Clique, com Adam Sandler. Ambos são baseados em ideias brilhantes, embora no caso do primeiro o roteiro e a produção sejam magistrais, enquanto no segundo a obra em geral é desajeitada (uma falta de jeito que torna um pouco difícil perceber a profundidade de seu tema).

Mas bem… vou começar com feitiço do tempotentando não estragar toda a trama. O filme é sobre um homem – o egocêntrico Phil Connors – que certa manhã percebe que, quem sabe por algum encanto estranho, está revivendo o dia anterior. A partir desse momento, a mesma coisa acontecerá com ele todas as madrugadas. Preso no tempo, você se verá repetindo aquelas infelizes vinte e quatro horas indefinidamente. Durante o que serão anos para ele (não sabemos quantos, mas o suficiente para aprender a tocar piano maravilhosamente), tudo ao seu redor se reproduzirá inexoravelmente, sem que ninguém – exceto ele – perceba.

Desde os primeiros dias – após a convulsão inicial – Phil encontra naquele feitiço uma oportunidade de examinar a vida das pessoas ao seu redor e abusar de todas elas. De todos, exceto da mulher por quem está secretamente apaixonado: como aquelas apenas vinte e quatro horas não são suficientes para que o insuportável rapaz a convença de seu amor, não demorará muito para que ele mergulhe em uma depressão profunda, de sem o qual, no entanto, você não conseguirá sair mesmo com os recursos mais extremos. Finalmente, quando chega ao fundo do abismo, seu egocentrismo é finalmente violado e ele começa a olhar ao redor e a se abrir emocionalmente para aqueles que o rodeiam. Ele faz coisas por eles e entra num processo de interesse genuíno em que a escola da vida começa a iluminar algumas estrelas em sua testa.

dia da Marmota. Não vou contar tudo: veja (se já viu, veja de novo, como devemos sempre fazer com as obras de arte, principalmente se estiverem ao nosso alcance).

Agora, em que esse filme se assemelha às nossas festas de fim de ano, que a cada ciclo solar repetem suas cartas de felicidades, seus rituais divertidos e suas resoluções impossíveis? Deixando de lado o espanto angustiado do primeiro nascer do sol de Phil (que se assemelha, mas só um pouco, ao nosso “O quê, é 31 de dezembro de novo?”), digamos que para nós também – pelo menos para os egocêntricos – a cada ano o tempo lança um feitiço, permitindo-nos voltar ao ciclo anterior e reviver a ilusão de que basta desejarmos algo para merecê-lo. E embora desde as primeiras horas que se seguem percebamos que a existência dos outros não favorecerá os nossos planos, as reviravoltas do tempo não deixam de restaurar a esperança de que este ano o fará! Seremos fortes, tanto que os outros deixem de nos atrapalhar.

Eu disse isso brincando, mas a verdade é que ai daqueles que têm sucesso! Para aqueles de nós que a sorte nos permite falhar repetidamente, a vida mais uma vez nos confronta com a mesma experiência frustrante, dando-nos a oportunidade de mudar, sair do círculo e abandonar as nossas repetidas fantasias de auto-suficiência. De acordo com os sábios professores do que chamamos de escola da vida, quando isso acontece, a maioria de nós começa a acreditar que a mudança será alcançada humilhando o ego e lutando para nos livrarmos dele. Mas este martírio é na realidade apenas um desvio, em alguns casos inevitável. Filosofias como a de feitiço do tempo ou o do oráculo chinês Eu Chingdizem-nos que este retorno repetido cumpre a sua missão quando deixamos de contemplar o nosso próprio ego e, sem necessidade de o derrotar, simplesmente o deixamos estar e voltamo-nos para olhar para outro lado, para os outros, fazendo com que o círculo vicioso se transforme numa espiral virtuosa.

Repreenda o ego ou supere-o. O outro filme sobre o qual quero falar, Cliquemostra-nos um homem que – graças a um telecomando mágico que, entre outras coisas, lhe permite dar avanço rápido para as partes irritantes da sua vida─ você vê a possibilidade de pular todas as interrupções do seu ego e deixá-lo intacto. Com essa magia, Michael – esse é o nome do personagem – foge de disputas conjugais redundantes, de reuniões chatas, de festas inúteis e até de doenças chatas que atrapalham seus objetivos de sucesso e promoção: ele é um verdadeiro empreendedor de quem está disposto a se livrar de qualquer obstáculo. ao seu progresso. Não admite nenhum desafio em que você deva parar para mudar ou aprender algo. Qualquer coisa que soe como “escola da vida” é ignorada. Mas com isso ele também se livra da própria existência. A vida se reduz a alguns dias, ao final dos quais – com o ego violado, como Phil – ele aprende a lição fundamental: que mesmo com todas as suas repetições irritantes, a única coisa valiosa que temos é este momento em que estamos. agora, e isso pelo simples fato de que os seres que amamos também estão nele.

O que foi dito acima também contribui com sua mensagem para o nosso tema: as comemorações de final de ano não são simples procedimentos sociais em plena corrida pela produtividade, ansiosos por pular todas as rotinas, seguir sempre em frente e viver numa linearidade de objetivos. As melhores resoluções de Ano Novo são aquelas que nos trazem de volta a este momento em que os outros estão ao nosso lado. Já Marcel Proust (com seu famoso Em busca do tempo perdido) mostrou que o significado do tempo é recuperar. Em última análise, uma vida de perseguição só terá valor se falhar e se nos der a oportunidade, como Michael, de chegar ao presente. Enquanto isso, devemos mergulhar nos ciclos do tempo e ressurgir das nossas cinzas repetidas vezes, como uma Fênix a princípio meio manca e com cicatrizes, mas sempre esperançosa de nascer plenamente.

*

Não quero terminar este texto com frases ainda mais triunfalistas do que as que já venho insinuando. Corro o risco de soar como aqueles cartões de felicitações em que todos desejamos coisas boas uns aos outros (harmonia, prosperidade, saúde…) mas quase ninguém escuta de coração. Porque a verdade é que pessoas como eu perdem muitas voltas; muitas lições de vida devem passar antes de dar o passo em direção a isso lugar e tempo em que já estamos: que Aqui e agora que os professores falam, e que nós, alunos do primeiro ano, ficamos mencionando como se entendessemos.

Por enquanto, real, o que é dito realsó temos a escola da vida que, além das lições diárias, cada ano nos oferece o seu Cursos intensivos de inverno, em que nos dá a oportunidade de repassar disciplinas antigas. Desculpe se repito aqui três das centenas, milhares, milhões que O que pessoalmente sinto falta: “Ouvir os outros é a melhor forma de nos sentirmos encorajados”, “Compartilhar é a única forma de tudo chegar”, “Celebrar é vislumbrar o que perdemos todos os dias”.

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Este artigo do Observatório do Instituto para o Futuro da Educação pode ser compartilhado sob os termos da licença CC BY-NC-SA 4.0

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